quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Persépolis

Há algum tempo, ganhei o romance gráfico Persépolis. Escrito pela iraniana Marjane Satrapi conta a história do Irã da melhor forma: quadrinhos.

Desde a revolução que levou à queda do Xá e instauração do regime fundamentalista Islâmico, até a guerra contra os xiitas iraquianos que serviu apenas para diminuir o ímpeto revolucionário iraniano e teve seu fim somente quando Saddam Hussein teve que concentrar suas forças em outra guerra, desta vez contra o Kwait.

Mas a história toda é contada sempre pelo ponto de vista da própria Marjane, menina no começo, descobrindo e sentindo os efeitos de tantos acontecimentos, até tornar-se uma adulta totalmente consciente de sua origem e história.

Sou obrigada a dizer que este quadrinho mexeu demais comigo. Pois, mais do que me fazer entender um pouco melhor o que acontece nesta parte do mundo tão distante de minha realidade, me fez encarar minha própria ignorância quanto a esta rica cultura. Me senti um tanto tola por perceber que quase involuntariamente havia me rendido a estereótipos midiáticos onde no oriente existem apenas fanáticos religiosos que não cansam de se bombardear... Injustificável.

Senti que precisava de alguma forma me redimir deste ato falho. Se eu não gosto de quem acha que no Brasil só existe futebol, carnaval e índio, não tenho o menor direito de agir desta forma preconceituosa com outros países.

É aí que entra a gastronomia. Afinal, esta é uma excelente porta ás diversidades culturais. De se aproximar um pouco mais de outros sabores e histórias.

Pesquisei bastante e montei um cardápio iraniano, ou Persa para quem preferir, de surpreendente resultado.

Sabores exóticos, delicados e definitivamente uma culinária tão charmosa quanto o oriente, mas vamos do começo.

mesa do charmoso almoço persa...

O pão barbari. Este pão tem influência turca e é como a base de uma pizza de uns 40 a 60 cm de diâmetro. Mais macio do que o tradicional pão pita, além de um toque de sementes de sésamo, ou melhor dizendo, gergelim.

Junte 1 colher (chá) de mel, 15g de fermento biológico fresco e 1 xícara de água morna. Depois de 5 minutos mexa para misturar.

Em outra tigela coloque 500g de farinha de trigo e uma pitada de sal, faça um buraco no meio e despeje a mistura de fermento. Coloque a farinha das laterais para o meio, para entrar em contato com a mistura, não é preciso deixar a massa uniforme, nem mexer muito. Tampe com papel filme e deixe descansar por pelo menos 20 minutos.

Após os 20 minutos a massa já terá absorvido todo o líquido, como uma esponja, e já terá acontecido a 1ª fermentação. Coloque mais uma xícara de água morna, duas colheres (sopa) de azeite e sove a massa com as pontas dos dedos batendo rapidamente até que fique bem lisa.

Coloque bastante azeite em uma travessa para que a massa descanse sobre ele. Tampe novamente e espere mais 20 minutos.

Retire todo o ar da massa e modele em uma forma de pizza, cubra com um pano e espere dobrar de tamanho. Pincele azeite e polvilhe gergelim antes de levar ao forno a 220º por 20 minutos.

pão barbari com gergelim

Adorei fazer esta massa. Muito simples e fica realmente leve, sente-se que a fermentação acontece no tempo certo e por ser uma receita bastante básica combina com o que quiser, desde patés e frios até como um bom acompanhamento para sopas. E foi como acompanhamento da sopa de iogurte que introduzi este pão no cardápio. Sim, sopa de iogurte.

Tempere 250g de carne moída (a receita original pede carne de cabrito, não foi o caso aqui) com sal, pimenta do reino e junte uma gema. Misture bem, faça pequenas bolinhas e reserve.

Em uma panela frite em óleo de canola, uma cebola grande picada finamente. Doure então, as bolinhas de carne. Quando bem douradas cubra com água e acrescente sal e os grãos de sua preferência, vale misturar mais de um, sugere-se grão de bico, lentilha, feijão branco e arroz. Por aqui optamos só pelas lentilhas, já que a intenção era tornar o prato um pouco mais leve para uma entrada. Acrescentamos então 2 xícaras apenas de lentilha.

Assim que a lentilha estiver cozida, dissolva três potes de iogurte natural em um pouco da água do cozimento e volte a solução para a panela. Corrija o sal se necessário, desligue o fogo, polvilhe salsão picado e sirva com fatias de limão no prato.

Taí, iogurte é algo que eu jamais teria tentando em uma sopa, mas que dá muito certo. Atribui um suave sabor azedo ao prato e achei genial colocar a carne moída na sopa. Pedaços de carne são ótimos para saborizar, mas para comer de colher complicam um pouco a vida por mais molinha que esteja, já a carne moída saboriza sem criar dificuldades. Me apaixonei pela idéia.

Este almoço não foi harmonizado por vinho, suco ou nada de sabor marcante. Optamos por uma jarra de água gelada, algumas fatias de laranja e muitas folhinhas de hortelã para dar um frescor. A suavidade é tamanha que em nenhum momento irá brigar com os delicados sabores dos pratos.

Ah! Se tivesse lima da pérsia ficaria perfeito!

sopa de iogurte e água saborizada com laranja e hortelã

Saímos da entrada e partimos para o prato principal. O arroz é sempre parte muito importante nesta culinária e é preparado de um jeito bem diferente. Primeiro deve-se lavá-lo muito bem por diversas vezes sem mexer muito para que não quebre. E lave com vontade mesmo, até que a água saia bem transparente.

Cubra com água, acrescente sal e deixe descansar por algumas horas. Jogue a água fora e lave o arroz novamente, sem mexer. O cozimento é feito como se fosse macarrão, muita água, um pouco de sal, espere ferver e então coloque o arroz e cozinhe por 10 minutos, ele deve ficar al dente.

Escorra o arroz e jogue água fria para interromper o cozimento. Certamente o arroz mais branquinho que eu já vi em toda a minha vida.

Agora em uma panela com teflon derreta duas colheres (sopa) de manteiga, solte o arroz escorrido e sobre ele desepeje meia xícara de água morna com açafrão e sal a gosto. Misture com cuidado para que não quebre o arroz e deixe em forma de uma montanha. Tampe a panela e envolva a tampa em um pano para que não perca calor algum, cozinhe de 30 a 40 minutos em fogo médio.

Deixe criar uma crosta crocante de arroz na parte de baixo, esta parte crocante chama-se Tah-Dig e é uma especialidade bastante admirada. E não imagine que se trata daquele queimado do fundo da panela de arroz, talvez pelo modo de preparo ele não fica queimado, nem grudado no fundo da panela, fica dourado e crocante, uma especialidade de verdade. E especialidade que se preze deve acompanhar um prato a altura.

arroz persa e a admirada especialidade tah-dig

Neste caso, kebab. Tempere 500gr de filé mignon cortado em cubos de aproxidamente 2cm com sal, uma cebola ralada, 1 dente de alho bem picadinho, azeite, pimenta do reino, açafrão e iogurte. Misture tudo muito bem e deixe a carne nesta marinada de um dia para o outro.

...No dia seguinte monte espetinhos intercalando os cubos de carne com tomates cereja. Grelhe em uma chapa de ferro até que fique dourado e sirva acompanhado de molho de romã.

Para o molho de romã, coloque em uma panela 1 xícara de suco de romã. Como não é uma fruta da época, comprei um daqueles sucos prontos de caixinha, que dizia ser sem adição de açúcares, mas ao provar achei doce demais, então não acrescentei as 2 colheres (sopa) de açúcar que a receita pedia, e não me arrependi da decisão.

Apenas deixei reduzir à metade em fogo baixo. Acrescentei então 1 e 1/2 xícara de nozes moídas no processador, 1 colher (chá) de cardamomo e 1 colher (chá) de canela, deixei ferver por mais 10 minutos. Para finalizar, 3 colheres (sopa) de suco de limão e uma boa misturada já fora do fogo.

kebab com molho de romã... exótico e impressionante

Impressionante! O molho de romã combina perfeitamente com a carne, une o kebab com o arroz e é capaz de levar quem o prova nas pontas dos pés até o oriente. Inspirador, exótico e o grande charme deste almoço. Almoço, que só chega ao fim na sobremesa.

Sohan Kondeji é um dos doces persas para Norooz, o ano novo iraniano. E é bem fácil e rápido de fazer.

Dissolva 1 colher (chá) de açafrão em pó em 3 colheres (sopa) de água fervente, cubra e reserve.

Coloque 1 xícara de açúcar, 3 colheres (sopa) de mel e 4 colheres (sopa) de óleo de canola em uma panela e deixe em fogo médio, mexendo ocasionalmente até que o açúcar derreta e fique dourado.

Adicione 1 xícara de gergelim e o açafrão e deixe ferver ainda mais um tempo. Não deixe escurecer demais.

Pingue então pequenas porções do doce em uma folha de alúminio previamente untada com manteiga e espere esfriar.

sohan kondeji, doce de gergelim feito no ano novo iraniano

Posso dizer que é um doce perigoso... O perigo é não conseguir parar de comer. Isto, mesmo, doce com açafrão e gergelim é capaz de gerar compulsão. Devia vir com aviso do ministério esta receita que certamente deve trazer um ano novo com cobertura de caramelo. Para melhorar ainda mais, servimos a sobremesa acompanhada de café com especiarias. Cardamomo para ser exata.

Acabado o almoço, a sensação que tive me remeteu à lembrança de uma citação no blog Literatura Persa das palavras de Abdu'l-Bahá (sábio persa):

"Meu lar é o lar da alegria e do deleite.
Meu lar é o lar do riso e da exaltação.
Quem quer que entre pelos seus portais tem que sair com o coração jovial.
Este é um lar de luz.
Quem quer que aqui entre tem que se tornar iluminado."

Absolutamente rendida ao brilho desta fascinante cultura.